“Nasci na capital paulista, mas moro em Salvador há 20 anos. Após me formar em fonoaudiologia na PUC-SP, escolhi me especializar em voz, e, como o mercado era carente na Bahia, terra do meu pai, me mudei e fui me especializando em treinar cantoras e cantores para trio elétrico, e hoje atuo em todos os estilos”
O GLOBO: Conte algo que não sei.
VALÉRIA LEAL: A voz que mais agrada às mulheres é a masculina fluida, ou seja, a do William Bonner. Já os homens acham mais sedutoras as vozes femininas não muito agudas e com leve soprosidade, aquelas típicas de funcionárias de telessexo.
Você treina cantores como Carlinhos Brown, Margareth Menezes e Daniela Mercury. Como entrou nessa área?
Tudo começou quando eu fui acompanhar uma performance do Tonho Matéria, meu primeiro cliente da área musical, no trio elétrico do Olodum. O pessoal diz que tem um vírus que a gente pega no trio, e nunca mais some. Me apaixonei por aquela energia. E notei que os artistas de axé cantavam de seis a nove horas seguidas durante o carnaval sem preparo específico. Isso fazia com que muitos tivessem lesões graves nas cordas vocais.
Qual foi seu maior desafio?
O trabalho com a Ísis Valverde para a minissérie “O canto da sereia” me deu muita alegria. A princípio, ela seria dublada por uma cantora baiana, mas percebi uma musicalidade nela e resolvi apostar. Em uma semana, com seis encontros, consegui prepará-la para cantar em um trio elétrico, na ficção, claro.
Qualquer pessoa pode se tornar cantora, cantor?
Qualquer um pode melhorar seu canto, articular as palavras, empostar, soar mais grave. Mas nada substitui o talento natural e a noção de ritmo e melodia adquirida desde a infância.
Que técnicas você usa?
Com a Anitta, com quem estou trabalhando agora, por exemplo, faço aquecimento da voz, nebulização, uso oxigênio para alpinistas e até eletrodos, antes das apresentações. Nos intervalos para troca de roupa, tenho apenas dois minutos para ajudá-la a recuperar a voz. Mas não é só isso. Para ter uma boa performance vocal é preciso cuidar da alimentação, para evitar o refluxo; dormir bem; e estar ok emocionalmente. Até o figurino importa. Ele não pode apertar o pescoço ou o diafragma.
Você também trabalha com a Valesca Popozuda. Ela está evoluindo?
Muito! Outro dia ela me disse: “Valéria, antes eu gritava, agora eu canto”. A Valesca costumava abusar da voz no primeiro show da noite e, depois, ficava rouca. Agora, ela sabe controlar seu alcance vocal. Cantar funk é especialmente difícil, porque a base da música é a percussão, o batidão, e muitas vezes o cantor não se ouve bem. Por isso é comum haver problemas de afinação.
Do que a voz é capaz?
De tudo. Seduzir, vender ideias, intimidar… Com a voz é possível resolver qualquer desentendimento. O filho adolescente não vai ouvir a mãe que fala rápido e agudo. Alô, mães: falem baixo, com voz mais grave e pausadamente.
Se o Anderson Silva quiser, pode ter voz mais grave?
Com certeza! No caso dele, em três sessões, posso até engrossar a voz do Anderson.
A voz mente?
Não. Um especialista consegue perceber as nuances. A voz expressa a personalidade, a emoção. Diz de onde a pessoa é, sua formação, classe social.
Você também ajuda a polícia fazendo perícias. Como é a voz de um serial killer?
É monotonal, ou seja, não tem variação de tom. O criminoso pode contar os detalhes de um esquartejamento como se estivesse contando que foi à padaria, sem emoção alguma.
Como pessoas comuns podem proteger a voz?
É preciso beber muita água fresca (30% gelada e 70% natural), manter a dieta balanceada, nunca usar ar-condicionado a menos de 18ºC, usar umidificador de ambientes e aspirar soro fisiológico até três vezes por dia.
Por que as pessoas não gostam de ouvir a própria voz?
A voz que elas escutam em gravações é distante da real. A forma mais precisa de se ouvir é com as mãos em concha nas orelhas, para ter retorno.
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