Assim, no mesmo carnaval de 1995, Valéria acompanhou o percurso do Bloco Tiete Vips, em cima do trio. Durante as 9 horas consecutivas de desfile, praticamente sem intervalos para repouso, ela pôde observar o clima de grande euforia e as características do canto de Tonho Matéria. Antes de se apresentar, Tonho havia passado por treinamento e preparação vocal, em que o seu suporte respiratório e o apoio do diafragma – durante a emissão de voz falada e cantada – foram trabalhados exaustivamente, assim como a sua postura cervical e ressonância. Como é mestre de capoeira, Tonho sempre teve um bom condicionamento físico, que já previa o alongamento do corpo, o ritmo e a flexibilidade que são importantes para o momento da apresentação. Mesmo assim, para a então surpresa de Valéria, Tonho ainda possuía voz de qualidade mesmo diante de todas as dificuldades naturais que, assim como os outros cantores de trio, enfrentava após a “maratona vocal” a que era submetido. O carnaval baiano, considerado pelo Guiness Book o “maior carnaval de rua do mundo”, é marcado por dois circuitos principais – Avenida e Barra/Ondina – que apresentam de 4 a 6 km, em que os cantores cantam e dançam, animando o público sem parar, com esforço digno de maratonistas. A partir de então, Valéria passou a olhar Tonho e os demais cantores de trio com admiração, pela capacidade de levar o canto por tão longo período, com energia, alegria e grande disposição física, mesmo diante do inerente desgaste, cansaço físico e vocal. E como dizia Osmar Macedo, criador do trio elétrico juntamente com Dodô, “uma vez subido no trio, se adquire um ‘micróbio de trio’, que faz com que o encantamento das massas traga o retorno a este em algum momento”. Com Valéria, mesmo não sendo artista de trio, não foi diferente. Ela também se encantou e passou a se interessar, a partir da experiência com Tonho Matéria, pelo treinamento, pesquisa e reabilitação, para o aumento da resistência corporal e vocal, do cantor de trio. Esta resistência é muito importante, já que as dificuldades são diversas. Em palco móvel, a céu aberto, não há delimitação de espaço, trazendo a vulnerabilidade à poeira e à desidratação, devido ao calor do verão e à fumaça que sai dos caminhões dos trios. Além disso, o cantor, instintivamente, procura projetar a sua voz o mais longe possível, para que toda a gigantesca massa o ouça, mesmo havendo equipamentos de amplificação da voz e uso de periféricos com efeitos – para dar corpo, brilho e penetração. Com as músicas de andamento rápido, a habilidade e a voz do cantor são extremamente exigidas e canto e dança conjugado também podem levar ao limite físico do artista, até mesmo por maior gasto de energia. Ainda há a valorização da percussão, que traz a necessidade de corpo, volume e projeção da voz, para estabelecer o “diálogo com os tambores”.
A voz acompanha o instrumento musical que, em trio, originalmente era direcionada pela guitarra baiana, mais leve e melodiosa. Com a amplificação dos elementos percussivos, a voz precisa de mais corpo, potência e volume. Este novo timbre do trio traz a necessidade de se alcançar, com técnica vocal adequada, uma voz com volume, resistência, potência e projeção, mais comumente encontrada nas vozes de cantores negros. Assim, afora sua importância como artista, Tonho também teve importância, profissionalmente, para Valéria Leal, representando o marco zero, o início da grande jornada em busca de alternativas e da compreensão dos mecanismos envolvidos na produção da voz cantada. Esta longa jornada, assim como, os percursos que os cantores de trio encaram, é extensa, por vezes exaustiva, mas cheia de alegria e satisfação. Ouvir a voz do artista envolvendo o povo, que encantado dança, canta, se energiza, brinca e sorri, justifica o caminho. A você, Tonho Matéria, compositor, cantor, capoeirista envolvido em importante trabalho social, esta pequena homenagem, por seu carisma, palavra que significa, graça divina e poder de seduzir, encantar e despertar de imediato a aprovação e a simpatia das massas.
ALGUMAS MÚSICAS DE TONHO GRAVADAS POR OUTROS ARTISTAS
- Daniela Mercury – Olhe o Gandhi aí e Vulcão da Liberdade
- Chiclete com Banana – Menina Me Dá Seu Amor, Durvalino Meu Rei e Se Me Chamar eu vou
- Asa de Águia – Dia dos Namorados, Robocop Gay, Carminha
- Lecy Brandão – Olodum Força Divina, Mandelaiada, Ara Ketu, Semente da Memória
- Beth Carvalho – Majestade Real
- Banda Eva – Pra Lá e Pra Cá, Timbaleiro
- Margareth Menezes – Natureza Mãe
- Ara Ketu – Majestade Real, Encontro dos Orixás
- Olodum – Olodum Ventania, Akhenaton e Nefertiti
- Banda Cheiro de Amor – Auê
- É o Tchan – Rebola
- Harmonia do Samba – Jogue o Laço
- Terra Samba – No Ponto, Terra Samba Faz Bem, Essa Mãozinha